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domingo, 25 de março de 2012

Bruxelas quer replicar sucesso do queijo Comté


Claude Querry acaricia um gigante queijo de 40 quilos e 60 centímetros de diâmetro. Na cave do Forte de Saint Antoine, localizado na região de Franche-Comté, zona leste de França e bem perto da fronteira suíça, descansam 100 mil Comté. Entre os cerca de 50 queijos que ostentam a classificação de Denominação de Origem Protegida (DOP) em França este é o que atinge maior volume de produção - mais de 52 mil toneladas em 2008, o que representa cerca de um quarto dos queijos DOP produzidos neste país.

As mãos enormes de Querry percorrem a casca dura do Comté. Com um pequeno instrumento, que se assemelha a um martelo, bate em toda a superfície, esticando a cabeça para ouvir o som. "É para adivinhar o que se passa no interior. Temos 50% de hipóteses de saber como está o queijo por dentro", conta o responsável pela cave da Marcel Petite, empresa queijeira que vende sete mil toneladas de Comté por ano e factura 50 milhões de euros. As suas caves na montanha recebem por ano dez mil visitantes.

Para a Direcção-Geral de Agricultura (DGA) da Comissão Europeia - que convidou um grupo de jornalistas a visitar a região - a produção do Comté em França é um exemplo a seguir pelos restantes Estados-membros que também têm queijos DOP, feitos à medida da tradição, com sabores únicos e distintivos. A DGA elogia a boa organização entre produtores, cooperativas e sector privado que promove o desenvolvimento de uma zona montanhosa, com Invernos longos e difíceis, e capaz de atrair população e turistas. Estima-se que esta indústria seja responsável pela criação de 7600 postos de trabalho directos.

O sucesso é partilhado e começa no produtor, o dono das vacas da raça Montbéliarde que fornecem o leite para a produção do queijo. O agricultor vende o leite cru a uma cooperativa, que, por sua vez, produz o queijo e o entrega a uniões de cooperativas ou empresas como a Marcel Petite, onde é feita a cura. Grande parte da comercialização é feita pelo sector privado, mas as organizações de agricultores também vendem em pequenas lojas locais.

Na sua quinta em Hautepierre-le-Châtelet, Pascal Nicod diz que o Comté "valoriza o leite". A cooperativa a que pertence, e que tem 14 agricultores, paga em média 44 cêntimos por litro, valor estabelecido com base no preço final do queijo. As suas 35 vacas leiteiras produzem cerca de 240 mil litros de leite por ano. Contas feitas, tem um rendimento anual de 105.600 euros, suficiente para sustentar a família.

"Temos muito apoio numa zona desfavorecida e com um Inverno rigoroso. Por exemplo, há uma associação local que faz serviços de substituição de agricultores quando estão de férias ou doentes e não podem cuidar dos animais", conta.Cooperativas como a de Chapelle des Bois, uma pequena vila com 250 habitantes, mantêm a economia local em movimento. Doze produtores entregam anualmente 1,6 milhões de litros de leite nesta estrutura, 90% servem para a produção do Comté (os restantes para fabricar Raclete). Os turistas que aproveitam as montanhas para esquiar no Inverno também aqui param para comprar o famoso queijo.

"O caso do Comté é espantoso porque conseguiram usar um produto como foco central de desenvolvimento da região. É um território totalmente aproveitado, sem incêndios, têm a rota do Comté que atrai turistas, ganhando milhares de euros com as visitas que se fazem às caves", diz Ana Soeiro, secretária-geral da Qualifica, Associação Nacional de Municípios e de Produtores para a Valorização e Qualificação dos Produtos Tradicionais Portugueses.

Ana Soeiro garante que a estratégia de desenvolvimento rural desta região francesa não tem paralelo com a realidade nacional. "Nem o caso do Queijo São Jorge, que tem o maior volume de produção, é comparável", afirma, acrescentando que a "máquina do Ministério da Agricultura desconsidera estas produções".

Ainda assim, Portugal é o quarto país da Europa com mais queijos DOP, depois de Itália, França e Espanha, e estima-se que o valor médio de produção anual ultrapasse os 13 milhões de euros [para um valor total de mercado a rondar os 500 milhões de euros]. São 13 queijos (e um com Indicação Geográfica Protegida, o Mestiço de Tolosa, da região alentejana), fabricados por 100 produtores. A média de produção anual situa-se nas 1302 toneladas e cerca de metade do volume é conseguido pelo Queijo São Jorge.

Ana Soeiro diz que os efeitos destes produtos na gastronomia e no turismo "nunca foram estudados". A fileira produtiva não está unida como a do Comté, que conseguiu "repercutir na cadeia a mais-valia do queijo". Além disso, garante, tem-se assistido ao progressivo abandono de produtores e a alguma adulteração. "O queijo de Niza, por exemplo, só é feito por um produtor. Deixam de fazer estes produtos especiais para fabricar os mais vulgares, mas depois não conseguem competir com os grandes operadores", aponta.

Para Pedro Pimentel, secretário-geral da Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios, há um trabalho a fazer na sensibilização dos consumidores. "Ao contrário de outros produtos lácteos, como o iogurte e o leite, onde temos um consumo per capita acima da média, cada português consome por ano cerca de 11 quilos de queijo, por comparação com 25 quilos em França", revela. Há espaço para crescer, mas a valorização dos produtos protegidos não aumenta sem uma alteração de hábitos. "Há que fazer a educação do sabor, e orientar o consumidor para a diversidade. No queijo, é preciso avançar na cadeia de valor", sustenta.

Queijo DOP vale 5,6 mil milhões na EU
No espaço europeu, os produtos de Denominação de Origem Protegida (DOP= ou com Indicação Gerográfica Protegida (IGP) valiam, em 2008, 14,5 mil milhões de euros, e o queijo é o que mais contribuiu para esse valor (39%). De acordo com dados de Bruxelas, 8% do queijo produzido na Europa – que vale entre 3 a 4% da produção mundial – é protegido. O grupo de produtos alimentares que ostentam estas classificações inclui carne e produtos feitos à base de carne, cerveja, fruta e vegetais, pastelaria, produtos feitos à base de peixe ou azeite. Os últimos dados disponíveis indicam que as exportações destes alimentos para fora do espaço europeu valem cerca de 700 milhões de euros. A Comissão Europeia definiu e regulamentou os registos DOP e IGP em 1992.

FONTE: Público, 2012.03.21

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